Dom Casmurro ainda faz sentido em 2025?

 Imagine que você está em uma sala silenciosa, segurando um exemplar antigo de Dom Casmurro. A tinta quase desbotada, o papel amarelado. É fácil pensar que estamos diante de uma relíquia, de algo que pertence a outro tempo — uma moldura literária distante do presente. Mas e se eu te dissesse que essa obra continua conversando conosco? Que Bentinho e Capitu, mais de um século depois, ainda nos olham nos olhos?

A pergunta é legítima: por que continuar lendo Machado de Assis em 2025? A resposta, no entanto, exige que olhemos mais fundo do que a trama superficial de um suposto adultério.

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Memória, dúvida e narrativa

O romance não gira em torno de uma traição confirmada. Gira em torno da dúvida. Bentinho, já velho, tenta reconstruir sua história e justificar suas escolhas — e o faz escrevendo, moldando, editando memórias. Dom Casmurro é, sobretudo, um livro sobre o poder que temos (ou achamos que temos) de controlar a narrativa da nossa própria vida.

Em tempos de redes sociais, onde cada um constrói sua versão pública de si mesmo, esse tema ganha nova força. Publicamos o que queremos lembrar. Excluímos o que desejamos esquecer. Como Bentinho, somos autores da nossa autobiografia idealizada — e muitas vezes, como ele, somos também os nossos próprios juízes injustos.

A ambiguidade como espelho

Machado nunca nos dá a resposta definitiva sobre Capitu. E é exatamente aí que mora a genialidade. O narrador é ciumento, possessivo, emocionalmente instável. E é ele quem nos conduz. A dúvida, nunca resolvida, se transforma em convite à interpretação — algo raro em tempos de verdades absolutas e polarizações digitais.

O livro desafia a passividade do leitor. Nos faz questionar o texto, desconfiar das entrelinhas. Ler Dom Casmurro é um exercício de pensamento crítico. E isso, mais do que nunca, é essencial.

Capitu e a mulher demonizada

Se antes a personagem Capitu era vista com suspeita pelos leitores — os “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” gravados como sinal de culpa — hoje, seu papel é revisitado sob outra ótica. Leitoras e leitores contemporâneos têm feito um movimento de reinterpretação, enxergando nela não uma adúltera, mas uma mulher inteligente, autônoma, sufocada por um marido obsessivo.

Capitu sobrevive ao tempo porque encarna algo maior: o destino da mulher cuja voz é abafada pela narrativa masculina. Em tempos de revisão histórica e crítica feminista, sua figura cresce. Ganha outras cores.

Machado e o Brasil de agora

Ler Machado de Assis também é encarar um retrato do Brasil que, assustadoramente, ainda pulsa em nossas estruturas: o racismo sutil, o elitismo disfarçado, os jogos de poder nas relações sociais e afetivas. Um autor negro, nascido no século XIX, que nos mostrou — com ironia e genialidade — as contradições de uma sociedade em transição. Hoje, vivemos outra transição, e os espelhos continuam no mesmo lugar.

Em resumo?

Dom Casmurro não é só atual. Ele é necessário. Ele nos provoca a olhar para dentro, desconfiar das certezas, reinterpretar o passado. Em 2025, num mundo saturado de ruído, sua voz calma, ambígua e elegante ainda tem muito a dizer.

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